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A diferença entre Analisar e Interpretar

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A Diferença entre Analisar e Interpretar – Lá no grupo dos Narratólogos no Telegram surgiu um debate sobre a diferença entre você avaliar um filme simplesmente pelo seu gosto ou pelo seu valor estético. E, além disso, ainda comentamos sobre quando tentamos encontrar um sentido para o que o filme “quis dizer”. Neste post, trago um conceito das diferenças entre analisar e interpretar, para entendermos se conseguimos separar uma análise técnica e uma avaliação por gosto pessoal.

Quando você começa a estudar mais sobre filmes e séries, você para de simplesmente acompanhar os filmes da maneira como ele foi feito para ser acompanhado: você começa a analisar o filme. Você quer saber se a cena em questão tá avançando na problemática de caráter do protagonista ou não, se a macroestrutura tá funcionando, se a sequência dos eventos demonstra uma progressão do conflito. Um diretor vai estar preocupado com a mise en scène, um diretor de fotografia observar os enquadramentos, um continuista vai analisar a continuidade. Quando você trabalha com cinema ou é um estudioso da área, você deixa de ter a experiência cinematográfica como simples público, você ganha um olhar crítico. Não quer dizer que você passará a ter uma experiência ruim, mas simplesmente uma experiência diferença. E nós, roteiristas, devemos ter esta visão para a narrativa.

E esse olhar crítico te traz também um conjunto de valores para julgar determinada obra. Mas, como eu já falei algumas várias vezes no Youtube, não é uma questão do filme ser bom ou não, é uma questão do filme ser mais consciente ou menos consciente – isto é algo que você determinada ao analisar a obra, como veremos no tópico a seguir.

Como analisar um filme e saber se ele é mais ou menos consciente?

Entender se um filme é consciente em relação às suas escolhas estéticas é saber se estas escolhas estão alinhadas com a proposta do filme. E como que eu saco qual é a proposta de um filme logo de cara? Geralmente, nos primeiros 15 minutos do filme, ele já disse ao que veio: se é narrativa clássica ou moderna, se teremos mais de um protagonista ou não, se o tema já foi abordado. Como você vai identificar tudo isso? Estudando e tendo repertório, assistindo muitos filmes e séries. Isso também é uma questão de treino: é fundamental que um roteirista assista a vários produtos e os analise, buscando entender quais operações foram feitas na narrativa.

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Por exemplo, em O Diabo Veste Prada, você sabe que a pretensão do filme é de um Archplot clássico, com uma protagonista só. Em Azul é a Cor Mais Quente, você sabe que aquele filme tem um ritmo mais lento, uma pegada mais moderna que visa explorar o psicológico dos personagens. Isso tudo você entende nos primeiros 15 minutos de cada filme.

E, novamente, à medida em que o tempo passa você vai ganhando essa experiência de saber se o filme é mais comercial, se é mais cult, se é um filme fragmentado, se tem um ritmo mais saturado… enfim, você ganha essa “malícia” ao treinar análise e ter repertório.

O que realmente significa analisar um filme?

Análise é quando você observa como foram construídos os elementos formais e estéticos de uma obra. Elementos formais e estéticos é tudo isso que eu citei acima: a escolha de ter um ou mais protagonista num filme, por exemplo, é uma escolha formal, porque à forma como aquele filme será feito e a como aquela história será contada.

Se pegarmos o exemplo de Midsommar, notamos que todos os personagens do filme vestem branco e a maior parte do filme se passa num campo ensolarado – são escolhas estéticas. É um filme de terror diferente, que inova justamente pelo fato de que o que nos aterroriza não são ambientes sombrios e soturnos. A montagem, a fotografia, as escolhas feitas para deixar o filme com aquela forma, com aquela estética, são elementos que você analisa. E lembra que eu falei dos primeiros minutos? Por exemplo, em Midsommar, você percebe nos primeiros 15 minutos que a proposta é de um filme de terror mais psicológico.

A partir dos elementos formais, o filme consegue atingir aquilo que ele se propôs a fazer? Consegue sim! Tem outro exemplo interessante mais recente, do Tarantino: muita gente se frustrou com Era uma vez em Hollywood porque estava esperando uma grande ação tipo Kill Bill sendo que, nos primeiros 15 minutos, ele já deixou claro sua pretensão e mostra que não será um filme de ação como Kill Bill.

O que é interpretação?

Já a interpretação está muito mais preocupada em fazer uma leitura de sentidos sobre a obra. Geralmente, é a partir da interpretação que vem o nosso senso de “gostar ou não” da obra. Se o filme ou a série tratam de um tema que nos agrada ou faz sentido para nós, a chance de gostarmos é muito maior. Pra ajudar a gente a entender melhor esse conceito, eu trouxe um crítico literário maravilhoso chamado Antônio Cândido pra ajudar a gente:

“Entende-se agora por que, embora concentrado o trabalho na leitura do texto e utilizando tudo mais como auxílio de interpretação, não penso que esta se limite a indicar a ordenação das partes, o ritmo da composição, as constantes do estilo, as imagens, fontes, influências. Consiste nisso e mais em analisar a a visão que a obra exprime do homem, a posição em face dos temas, através dos quais se manifestam o espírito ou a sociedade.” Ou seja, ele tá dizendo pra gente que a interpretação está mais relacionada a dar um sentido lógico para a obra do que necessariamente avaliar se os elementos estéticos dela contribuem ou não para a proposta.

Resumindo: a análise pretende entender como a obra é feita, e a interpretação visa encontrar o que aquela obra “quer dizer”.

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Mas nós temos alguns problemas aí. É impossível que qualquer pessoa faça uma interpretação 100% imparcial, porque a maneira como aquela mensagem vai chegar em você leva em consideração as suas morais, sua idade, seu contexto social, financeiro, pessoal, psicológico… e tudo isso vai impactar a sua forma de enxergar a obra. Por outro lado, muitas vezes é impossível analisar uma obra sem interpretá-la em algum nível. Ou seja, dificilmente uma análise ou uma interpretação serão completamente imparciais. E tudo bem!

O que eu mais quero que vocês entendam é justamente essa relação de entender um filme como mais consciente ou menos consciente a partir de como os seus elementos estéticos são colocados e contribuem ou não para a proposta do mesmo. Lembrem-se: não é uma questão do filme ser bom ou ruim (apesar de que existem, sim, obras mal feitas) mas entender sua proposta e verificar suas escolhas estéticas.

Link para o artigo do Antônio Cândido: clique aqui.

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