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Análise da série The Marvelous Mrs Maisel

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A fim de inaugurar esta nova fase do site do Narratologia, nós vamos iniciar a primeira postagem do site renovado com o estudo de caso de uma das séries contemporâneas mais bem-sucedidas e aclamadas criticamente: The Marvelous Mrs. Maisel (Prime Video). Como meus alunos sabem, esta é uma série da qual eu particularmente sou muito fã, acredito que seja uma série com uma narrativa sofisticada, ao mesmo tempo em que mostra-se uma obra com apelo popular e um tom leve de se acompanhar.

O objetivo desta análise é compreender alguns aspectos da série, sendo eles:

  • Conflito central da série (ou motor);
  • Arco das temporadas
  • Estrutura da narrativa episódica

Vale lembrar que estes conceitos são típicos de séries serializadas ou serializadas episódicas, pois falamos de uma longa narrativa que acontece durante vários episódios. À medida em que o texto avança, vou explicando cada um desses conceitos e já exemplifico com a série em questão. Também vou fazer uma breve análise de um episódio da série a fim de revisar sua estrutura narrativa episódica.

Em The Marvelous Mrs. Maisel, a protagonista Midge Maisel inicia sua jornada após ser traída pelo seu marido Joel Maisel, que pede divórcio. Alcoolizada e desolada, ela vai até um bar que faz performances de stand up e, sem intenção, faz um hilário show de stand up sobre a sua própria desgraça. O show chama atenção de Rosie, que decide contatar Midge para se tornar sua agente, insistindo que ela se torne comediante stand up. Entretanto, Midge é uma dona de casa “desquitada” dos anos 50, que sempre viveu no universo doméstico burguês, sem expectativa de ter uma carreira própria. Mesmo com essas condições e sabendo que seus pais e a sociedade não aceitariam, ela aceita a proposta de Susie.

O conflito central de uma série é também o seu motor, ou seja, uma premissa que permanece ao longo de todos os episódios e todas as temporadas da série. Ele costuma ser constituído por algo que o protagonista deseja intensamente mas tem dificuldades de conseguir tanto por conta de seu caráter quanto por motivos externos.

O conflito central desta série está na jornada de Midge tornar-se uma comediante stand up nos anos 50, enquanto lida com seus pais conservadores, a criação de seus filhos e tenta crescer em um universo masculino inóspito às mulheres. O aspecto do caráter de Midge que a impede de conseguir alcançar seu objetivo é justamente a sua mentalidade de burguesa mimada: ela não quer abrir mão dos luxos e confortos que sempre teve a vida inteira para investir em sua carreira. Ao longo de todas as temporadas da série, este conflito não se encerra.

Já o arco de temporada é a jornada que ocorre exclusivamente naquela temporada. Séries serializadas costumam ter, além do conflito central, esta jornada que norteia uma temporada da série. Vale lembrar, também, que a temporada de uma série e seu conflito central são narrativas manifestadas de maneira implícita em um episódio: ambas permeiam a série de maneira mais sutil, já que as tramas e as ações do discurso fílmico abordam as histórias episódicas.

Na série The Marvelous Mrs. Maisel, os arcos de temporadas são delineados de maneira bem clara, sempre provendo o gancho para a temporada seguinte. Na primeira temporada, Midge Maisel decide ser comediante e começa a fazer seus shows de stand up em bares periféricos de Nova Iorque, a temporada culmina com ela saindo das regiões periféricas e começando a se apresentar em palcos maiores, definindo-se, na cena final, como “Mrs. Maisel”, concretizando o arco da temporada que concentrava-se em Midge assumir a sua identidade de comediante. Na segunda temporada, que acontece em sua maior parte no resort Catskills e arredores (uma delimitação geográfica para a própria temporada), ela começa a se apresentar em grandes hotéis e resorts, culminando inclusive em seu pai descobrindo que ela trabalha como comediante. Ao final desta temporada, Midge é convidada pelo famoso cantor Shy Baldwin para se apresentar como show de abertura de sua turnê por todo os EUA e Europa.

Esta série é um grande exemplo de como todas as narrativas de um serializado convergem para tornar-se uma só: enquanto os arcos de temporada são bem definidos, todos eles avançam no grande conflito central de Midge: tornar-se uma grande comediante. Ao mesmo tempo, os episódios também são bem delimitados em suas próprias narrativas episódicas. Um exemplo de como a continuidade de um serializado apresenta-se em diversos níveis, como é notado abaixo:

Uma análise do grau de continuidade das narrativas de TV serializadas deve levar em consideração fatores como se as histórias com arcos estão restritas a apenas alguns episódios, a uma temporada ou se transcendem a temporada.

(ALLRATH; GYMNICH; e SURKAMP, 2005, p. 5)
Midge no centro, com sua mãe Rosie à esquerda e seu pai Abe à direita, aproveitando no resort Judeu Catskills. O principal dilema da protagonista é tentar um equilíbrio, talvez inexistente, entre a vida burguesa e a vida de comediante.,

Na terceira temporada da série, o arco resume-se em Midge fazendo apresentações como show de abertura do cantor por todo os Estados Unidos. Ao fim da temporada, entretanto, ao fazer uma performance dando a entender que Shy é homossexual, ela é demitida pelo mesmo, terminando a temporada sem prosseguir com a turnê pela Europa. Na quarta temporada, Midge recomeça sua carreira de comediante, decidida a não ser mais nenhum show de abertura, apenas a estrela principal. Após uma temporada com muitas dificuldades, ela termina com um convite para ser o ato de abertura de Tony Bennet. Ela acaba negando o convite, enquanto a série deixa em aberto que Midge fará uma participação para o famoso The Gordon Ford Show.

Acerca da estrutura episódica da série, estamos falando também do seu aspecto procedural: séries, mesmo as mais serializadas, sempre seguem uma espécie de “ritual” a cada episódio. No caso desta série, os episódios costumam conter 4 atos narrativos e sempre têm um show de stand up da protagonista em algum momento, geralmente ao terceiro ato. Lembrando que os 4 atos narrativos de um episódio de série costumam ser: teaser, primeiro ato, segundo ato e terceiro ato.

Todos os roteiros de uma hora são quebrados em quatro atos. Cada ato tem cerca de catorze a quinze páginas. Cada ato no episódio de uma hora é uma unidade separada e tem um clímax para si próprio. Por quê? Porque o intervalo comercial é colocado entre atos.

(THOMPSON, 2003, p. 53¹).

Vale a pena fazer uma ressalva acerca dos atos narrativos em um episódio de série. Na citação acima, Kristin Thompson indica que cada ato tem entre catorze e quinze páginas, o que não compreenderia o teaser, que tem apenas dois minutos. Nesta concepção, ela considera o teaser e o primeiro ato como o primeiro ato da série enquanto divide o segundo ato em dois: a primeira parte com desenvolvimento das tramas e a segunda parte com agravamento dos conflitos, sendo o quarto ato nas séries considerado o terceiro na concepção de Syd Field. Para esta análise, vou considerar a divisória de teaser + 3 atos.

Nesta postagem será analisado o quinto episódio da segunda temporada, “Midnight at the Concord” (Meia-noite no Concord). Este é o episódio mais bem avaliado da série pelo IMDB, com nota de 9.2. Ele foi lançado na plataforma Prime Video em 2018 e foi escrito e dirigido pela criadora da série Amy Sherman Palladino.

O episódio se inicia com um teaser: Shirley e Moishe chegam ao resort onde se passa a maior parte da temporada para um Abe completamente decepcionado com o fato de que seus conhecidos inconvenientes chegaram.

Abe triste após a chegada dos Maisel no resort

Após a abertura, dá-se início ao primeiro ato e todas as tramas do dia são apresentadas (com exceção da trama de Abe, que já foi introduzida no teaser): Midge implica com Benjamin, Susie busca uma oportunidade para Midge se apresentar e Joel flerta com algumas mulheres no resort. O primeiro ato consiste na apresentação de cada uma dessas tramas, introduzindo os personagens que estarão liderando as tramas e seus respectivos conflitos.

O segundo ato, a maior parte do episódio, concentra-se no desenvolvimento das tramas: Abe vai se irritando e perdendo a paciência com Moishe, Susie insiste em conseguir um horário para Midge se apresentar na região dos Catskills, Midge precisa voltar para Nova Iorque com Benjamin, e eles acabam ganhando mais intimidade, e Joel flerta com algumas moças no boliche. Este é o ato mais extenso, já que consiste na evolução das tramas.

Midge e Susie conversam com o administrador do Concord

O terceiro ato aponta para a resolução dos conflitos: Abe se livra de passar mais uma refeição com Moishe; Susie consegue um espaço para Midge se apresentar no Concord; Midge estreita as relações com Benjamin; e Joel desiste de flertar com outras mulheres e vai atrás de Midge. Todas as tramas encontram sua resolução ao final do episódio, enquanto avançam a narrativa serializada da série e o episódio mantém o seu ritual procedural. Ao final do terceiro ato está o gancho para o próximo episódio: Midge, no meio de seu stand-up, percebe que o seu pai está na plateia. O episódio termina com Abe dirigindo o carro rumo a Nova Iorque, levando Midge e Susie no banco traseiro.Assim finaliza-se a análise da narrativa de The Marvelous Mrs. Maisel. Esta é uma série complexa, ao mesmo tempo em que transmite um tom leve aos que a assistem. Vocês podem assistir às quatro temporadas dela no Prime Video.

Referências

ALLRATH, Gaby; GYMNICH, Marion; SURKAMP, Carola. ‘‘Towards a Narratology of TV Series’’, in. Narrative Strategies for Television Series. Org: Gaby Allrath e Marion Gymnich. London, Palgrave Macmillan, 2005, pp.1-43.

DOUGLAS, Pamela. Writing the TV Drama Series. California: 4a ed., Michael Wiese Productions,  2018.

THOMPSON, Kristin. Storytelling in Film and Television. Cambridge, Massachusetts and London, England. Havard College Print. 2003.

 ¹ Traduzido do original: All one-hour scripts are broken into four acts. Each act averages fourteen to fifteen pages. Each act in the hour episode is a separate unit with a crisis and climax all its own. Why? The commercial breaks are placed between acts.

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